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O Recurso Extraordinário (RE) nº
574706 foi julgado pelos Ministros do STF. Os mesmos entenderam que o valor
arrecadado a título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte e,
desta forma, não pode integrar o cálculo do PIS-COFINS.
Saiba mais sobre o assunto abaixo:
No julgamento do Recurso Extraordinário
(RE) 574706, com repercussão geral reconhecida, os ministros do Supremo
Tribunal Federal entenderam que o valor arrecadado a título de ICMS não se
incorpora ao patrimônio do contribuinte e, dessa forma, não pode integrar a
base de cálculo do PIS e da Cofins. Apesar do julgamento ter apreciado a
exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições ao PIS e Cofins em
operações normais, o mesmo raciocínio deve ser empregado em relação ao ICMS/ST,
pois se trata do mesmo imposto, somente recolhido de forma
antecipada/diferenciada.
De fato, a substituição tributária
caracteriza-se pelo fato de o contribuinte substituto responsabilizar-se
antecipadamente pelo cálculo e pagamento do montante do tributo da operação
própria e das sucessivas, desobrigando os contribuintes subsequentes do seu
recolhimento. Contudo, muito embora o contribuinte substituto responsabilize-se
antecipadamente pelo cálculo e pagamento do montante do tributo, o substituído
é quem efetivamente arca com o ônus econômico da imposição, porquanto é ele
quem desembolsa, por antecipação, o dinheiro destinado ao pagamento do imposto.
O substituto tributário posiciona-se como mero repassador da quantia retida.
Em outras palavras, a Substituição
Tributária Progressiva ou “para frente” é apenas uma técnica de apuração e
pagamento do ICMS. Ela ocorre quando a lei atribui a um determinado
contribuinte a obrigação de antecipar o pagamento que será devido na operação
seguinte por outro sujeito passivo. Vale dizer, é mera antecipação do pagamento
do imposto, na qual se atribui ao elo anterior, na cadeia de circulação, o ônus
de recolher este tributo, mas continua a ser o mesmo ICMS, recolhido de forma
diferenciada.
Assim, a exclusão do ICMS-ST da base de
cálculo do PIS e da Cofins é medida necessária, sob pena de aplicar tratamento
anti-isonômico entre contribuintes
Contudo, a Receita Federal não professa
esse entendimento conforme se verifica da Solução de Consulta Cosit nº
106/2014, Solução de Consulta Cosit nº 104/2017, Solução de Consulta Cosit nº
99041/2017, cujo excerto destaca-se abaixo:
“O valor do ICMS auferido pela pessoa
jurídica na condição de substituto tributário pode ser excluído da base de
cálculo da Cofins, tanto no regime de apuração cumulativa quanto no regime de
apuração não cumulativa, desde que destacado em nota fiscal”.
“Esta possibilidade de exclusão somente
se aplica ao valor do ICMS auferido pela pessoa jurídica na condição de
substituto tributário, não alcançando o valor do ICMS auferido pela pessoa
jurídica na condição de contribuinte do imposto. Ademais, tal exclusão somente
pode ser aproveitada pelo substituto tributário, não servindo, em qualquer
hipótese, ao substituído na obrigação tributária correlata”.
Vale dizer, a Receita exige que o
substituído tributário calcule e recolha as contribuições ao PIS e Cofins sobre
o valor total faturado, isto é, incluído o valor de ICMS/ST-NF/Compra embutido
no preço praticado ao consumidor final. No entanto, esse entendimento não pode
prevalecer sob pena de ferir o princípio da isonomia tributária.
Com efeito, a Constituição Federal, no
artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, erige em cláusula pétrea os direitos e as
garantias individuais e consagra no rol desses direitos e garantias individuais
o princípio da igualdade insculpido no “caput” e no inciso I do artigo 5º da
Constituição Federal, de forma genérica e de forma específica, no item II do
artigo 150 da Carta Magna.
Referido princípio possui um sentido
duplo. Por um lado, tem por objeto a lei já feita, no sentido de que esta deve
ser uniformemente aplicada a todos, sem distinção (isonomia perante a lei). De
outro lado, e aqui fundamentalmente reside a importância do princípio, pilar de
qualquer Estado Democrático de Direito, atua o mesmo no sentido de balisar a
atuação do próprio Legislador ao produzir o comando legal (isonomia na lei).
O Colendo Supremo Tribunal Federal
sempre atribuiu ao princípio da isonomia a importância que lhe é inerente,
reconhecendo a limitação que ele impõe à atividade do próprio legislador, como
se depreende da ementa do acórdão proferido nos autos do Mandado de Injunção nº
58, “verbis”:
“MANDADO DE INJUNÇÃO – PRINCÍPIO DA
ISONOMIA – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
-O princípio da isonomia, que se reveste
de auto-aplicabilidade, não é, enquanto postulado fundamental de nossa ordem
política-jurídica, suscetível de regulamentação ou de complementação normativa.
Esse princípio – cuja observância
vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser
considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir
privilégios (RDA, 55/114), sob duplo aspecto: a) o da igualdade na lei; b) o da
igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de
generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador
que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de
discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade
perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição
destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não
poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou
discriminatório.
A eventual inobservância desse postulado
pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de
inconstitucionalidade. (…)” (Revista de Direito Administrativo – Volume 183 –
janeiro-março 1991- p. 143)
Assentado que o princípio da isonomia
atua negativamente limitando a atividade do próprio Legislador, para assegurar
a guarda e cumprimento da Constituição Federal, certo é que tampouco pode a
Fazenda Nacional, ou mesmo o Poder Judiciário impor discriminação entre os
contribuintes que estão submetidos ao ICMS pelo sistema normal, ou ICMS pelo
sistema de substituição tributária.
Celso Antônio Bandeira de Mello,
tratando da matéria em obra já clássica sobre o assunto ensina, “verbis”: “… o
critério especificador escolhido pela lei, a fim de circunscrever os atingidos
por uma situação jurídica – a dizer: o fator de discriminação – pode ser
qualquer elemento radicado neles, todavia, necessita inarredavelmente guardar
relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta. Em outras
palavras: a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita.” (O conteúdo do princípio
da igualdade, Ed. Rev. dos Tribunais, 1978, pág. 49, grifo nosso).
Todavia, o simples fato de um
comerciante estar submetido ao ICMS/ST-NF/Compra, por si só, não é razão
suficiente para a discriminação, uma vez que não existe padrão de razoabilidade
que justifique a distinção. No caso, se trata apenas de sujeição a regimes
distintos de recolhimento de imposto estadual. Por conseguinte, seria nítida a
violação da igualdade caso não se aplique o entendimento proferido no Recurso
Extraordinário (RE) 574706 ao substituídos tributários.
Além disso, outro ponto que levaria à
anti-isonomia é que cada estado tem uma lei específica para a substituição
tributária e, dependendo do estado, a sistemática de pagamento do ICMS de uma
determinada mercadoria poderá, ou não, ser de substituição tributária. A
consequência prática disto é que uma opção legislativa de um ente federativo
(estados e Distrito Federal) pelo ICMS-ST, obrigatória ao contribuinte,
repercutirá na base de cálculo de um tributo federal.
Disto se extrai, que empresas que vendem
a mesma mercadoria, mas situadas em estados distintos, terão a base de cálculo
da contribuição ao PIS e da Cofins quantitativamente diversa, por mais que seus
faturamentos sejam idênticos! Isto tudo por uma opção legislativa do ente
federativo do qual fazem parte, implicando a exclusão do ICMS na base de
cálculo das contribuições, quando não haja previsão de substituição, e a
inclusão do ICMS-ST, quando haja o regime substitutivo.
Constitui, pois, discriminação arbitrária
a garantia de exclusão do valor do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins
contribuições somente para aqueles que calculam e recolhem o ICMS pelo sistema
crédito/débito. A ausência de isonomia é patente.
Mesmo porque, os fundamentos que levaram
à decisão do RE 574706 aplicam-se integralmente no caso do ICMS/ST, quais
sejam: (a) o ICMS refletido no preço da mercadoria não é receita, mas, sim,
mero ingresso que transita na contabilidade do vendedor, mas que é repassado ao
estado-membro; (b) o ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte; e (c)
se alguém fatura o ICMS, este é o ente público estatal.
O fato de um comerciante se submeter em
algumas operações ao regime de recolhimento chamado de substituição tributária,
que lhe é imposto pela lei, não pode afetar o seu direito de deduzir o imposto
no momento da apuração das contribuições ao PIS e Cofins.
Por isso, deve ser garantido aos
substituídos tributários o direito de excluir o valor de ICMS-ST pago por
ocasião das suas compras na base de cálculo das contribuições ao PIS e Cofins.