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O cenário pessimista considera a
disseminação do coronavírus dentro do país, o que atingiria em cheio o setor de
serviços, responsável por 70% do PIB do brasileiro.
Saiba mais sobre o assunto abaixo:
São Paulo — A onda de cortes nas
previsões para o crescimento brasileiro em 2020 parece não estar
perto do fim. O que já parecia complicado com o risco do avanço do surto de
coronavírus no mundo piorou consideravelmente — ao menos num primeiro momento —
com a recente queda de braço entre Arábia Saudita e Rússia, que derrubou os
preços do petróleo.
As revisões mais recentes foram
impulsionadas pela epidemia e pela divulgação, no último dia 4, do Produto
Interno Bruto (PIB) referente a 2019, aquém do esperado pelo mercado, e não
contam com esse último evento internacional. Nessa linha, o Goldman Sachs, que
revisou sua projeção de alta de 2,2% para 1,5% na semana passada, vê uma
probabilidade cada vez maior de um crescimento abaixo de 1% em 2020.
“Existem canais que impactam
negativamente o Brasil nesse cenário: comércio, turismo, fluxo mais volátil de
capital financeiro, deterioração dos termos de troca devido aos preços mais
baixos das commodities, interrupções nas cadeias de fornecimento de bens /
insumos intermediários que prejudicam a capacidade de alguns setores de
produzir (por exemplo, automóveis , aparelhos, produtos farmacêuticos etc.),
condições financeiras mais apertadas à medida que os spreads de crédito
aumentaram e, eventualmente, também medidas para conter um eventual surto
dentro do país, o que geraria restrições de movimentação e um impacto muito
grande na atividade, principalmente nos serviços”, diz Alberto Ramos, diretor
de pesquisas do banco para América Latina.
Um crescimento abaixo de 1% seria um
resultado desastroso e sugeriria que o país mal cresceu no ano, já que 2019
favoreceu um carregamento estatístico calculado em 0,8% para o PIB de 2020.
O cenário cogitado na análise de Ramos
seria um dos mais graves para o país, já que considera a disseminação do
coronavírus internamente, a exemplo do que acontece hoje na China, Itália e
Irã. Se isso ocorresse, o setor de serviços, responsável por cerca de 70% do
PIB brasileiro, seria atingido em cheio. “As pessoas parariam de ir aos cinemas,
teatros, shows, restaurantes”, diz Luana Miranda, pesquisadora da área de
economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas (Ibre/FGV). A pesquisador ressalta por outro lado, que esse não é o
cenário base do instituto, que revisou de 2,2% para 2% na semana passada, com
perspectiva negativa.
Enquanto o vírus se mantiver longe de se
espalhar no país, o setor mais afetado é a indústra, por conta da escassez de
produtos importantes para produção nacional. Essa realidade já afeta alguns
setores.
Sondagem realizada pela Associação
Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) aponta que 70% das
entrevistadas já apresentam problemas no recebimento de materiais, componentes
e insumos provenientes da China. “Esse resultado indica um agravamento da
situação em relação às pesquisas anteriores. Na primeira pesquisa (5 de
fevereiro), o número de empresas com problemas era de 52%, e, na segunda
sondagem (20 de fevereiro), 57% das consultadas apontavam impacto negativo”,
diz a associação.
A situação de desabastecimento é
observada principalmente entre os fabricantes de produtos de Tecnologia da
Informação (celulares, computadores, entre outros). A pesquisa contou com a
participação de 50 indústrias das diversas áreas do setor eletroeletrônico.
Ladeira abaixo
As previsões de cresicmento econômico
têm se deteriorado numa velocidade maior que a observada em 2019, quando
começaram o ano em 2,5% e foram caindo até 1,1%
Só na última semana, os bancos BTG, UBS,
Daycoval, a MB Associados e o Ibre revisaram seus cálculos, que ficam dentro do
intervalo entre 1,3% e 2,1%. Nas semanas anteriores, Barclays, Citibank, BNP
Paribas, MUFG Brasil, JP Morgan e Santander já haviam revisado seus cálculos
para valores dentro desse intervalo.
“É possível que o número seja novamente
reduzido, de 1,7% para 1,5%, se a crise piorar”, diz Sergio Vale,
economista-chefe da MB.
Já o Daycoval tem duas suposições: num
cenário em que a China cresce 5%, o PIB brasileiro deve ter alta em torno de
1.3%. “Já se o país asiático tiver uma recuperação perfeita e crescer 5,75%
neste ano, esse 1.3% pode virar 1.8%”, diz Rafael Cardoso, economista-chefe da
instituição. Até a semana passada, o cenário base do banco, de uma recuperação
chinesa, contava com um avanço correspondente maior no Brasil, de 2,1%.
No último boletim Focus, o mercado
passou a ver crescimento econômico abaixo de 2% neste ano pela primeira vez: de
1,99%, contra 2,17% antes. Na mesma época do ano passado, as expectativas para
o PIB de 2019 convergiam para 2,28%.
O mesmo movimento é visto nas previsões
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 1,7% para
2020. Na mesma época do ano passado, a previsão da organização para o
crescimento de 2019 era de 1,9%.
A opinião geral é de que o choque
causado pelo coronavírus se dissipará no segundo semestre. Se não, o país terá
um crescimento pífio pelo quarto ano seguido, o que deverá deixar o
secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, muito mais preocupado.